sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Lugares conocidos e seus profundos sentidos conotativos (5)
— Contributos semênticos para um dickcionário messalínico —

Após meses de ausência, Méssaline volta ao seu Dickcionário.

Água de colhónia
Méssaline considera sacramental o remate com tal unção. Escolhei a parte do sudário que vos apraz honrar com a essência do vosso orqui, digo, arquidivino eflúvio e vinde a (em) mim, ó filhos d’Af(r)odite, vossa bolsa plena de oferendas disposta.

Trufa-trufa
Não sei se foi o famosos truca-truca de Natália Correia que derivou para esta palavra, ou se já lhe era prévia. Deixo o esclarecimento aos filólogos cuja curiosidade neste ocioso momento não me apetece seguir.
O trufa-trufa de Méssaline é nada mais, nada menos do que foda com trufas... bombons ou outros trunfos da chocolândia, passados entre bocas, com uso de lábios, língua e pontas dos dedos, como amuse-gueule ou prato único, sempre cumprindo imperativos da Dona Delicadeza, aqui chamada e achada para que a coisa não derive num espalhafato de pinceladas de cacau pelo rosto, colo e demais partes. Delicadeza para lamber aqui, ali e acolá, onde ficou traço de passagem do celestial alimento, e também para jogar, em lances entre o leve pousar e o brando meter, o suave chupar e o vero lamber.
Com sex toys destes, sim, Méssaline brinca!

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

O tabu do número

PUTA (s. f.) uma mulher com a moral sexual de um homem.

Há tempos, a Marie Claire francesa abordou este tabu remanescente: o número de parceiros sexuais das mulheres. Houve quem respondesse ter tido um único e quem admitisse ter tido mais de cinquenta. E parava aqui. Não houve quem dissesse ter tido cem, quinhentos, mille e tre, como Don Juan.

Deixando de parte esta questão de uma piça passar por um número elevado de mulheres ser um feito e uma cona passar pelo mesmo número de homens permanecer um defeito, concentro-me no constrangimento que o tópico causa numa conversa.

Não surge espontaneamente, mas forçado e paralelo. E refiro-me a conversas entre mulheres que se consideram desempoeiradas, de experiência sexual assumidamente não monogâmica, supostamente libertas de estereótipos, com estudos superiores. Acontece mais ou menos assim: uma das participantes reprova o comportamento “libertino” de uma ausente, dizendo «Ela, desde que se divorciou, anda com todos», «perdeu a dignidade», «sai com um diferente todos os fins-de-semana». Deixo que a falante prossiga, que outras reiterem, até que o assunto se esgota. Então, ataco:

— Com todos? Com quantos? Os homens tiraram-lhe a dignidade de cada vez que ela fodeu? Onde é que ela a tinha? Falta-lhe algum pedaço? Se ela vai com quem lhe apetece, qual é o teu problema?

O embaraço instala-se, corre em relativizações («Não era bem isso que eu queria dizer»), assoma aos olhares. Eu continuo:

— Então, para permanecer digna, com quantos pode foder? Quantos? Digam-me o número a partir do qual a dignidade fica feita em frangalhos.

Alguma mais corajosa adianta: «Acho que não é a mesma coisa ir para a cama com um (vá lá, dois ou três) ou com vinte...»

— Repito: digam-me qual é o número a partir do qual é puta. Sim, porque é essa a palavra que todas vocês têm na cabeça. Mas lembrem-se que quase todas as putas fodem sem prazer e sem poder de escolha; já ela, não só escolhe e troca de parceiros porque isso lhe dá prazer, como eles não lhe pagam. É um comportamento de risco? Até concedo — mas esse não foi um argumento vosso.

Instala-se o silêncio, a mais cordata muda o rumo da conversa já meio azeda e, muito raramente, alguém diz que tenho razão, que é um preconceito, que as coisas vistas assim mudam de figura, que devemos pensar antes de reprovar a vida sexual de uma mulher, que ninguém diz estas coisas de um gajo que ande a saltar de cama em cama.

Pois é, apanha-se mais depressa um preconceituoso do que um coxo, sobretudo quando a questão é o que as mulheres fazem com o seu corpo, com o SEU sexo. Atavismos forjados durante séculos de repressão sexual, de hipervalorização da castidade.

Se tiverem coragem de testar a reacção a este tema, experimentem. E já agora, puras donzelas, mais tento na língua, que precisais dela para funções mais nobres. E vós, homens de juízo fácil, mais trabalho na cabecinha, que precisa de estar em forma para quando vos aparecer uma Maria-vai-com-quem-QUER.

Ah, e antes de atirarem a primeira pedra, pensem nos telhados de vidro. Ou então assumam-se: admitam que o que queriam era vestir burqas às messalinas.