sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Voyage, voyage (5):
La reina de roca

(parte 4)


Deixo a luz aguda de Nápoles, o relevo costeiro onírico, o olímpico azul do mar para inspirações mais pachorrentas. Agora quero apreciar o Marcello. À minha chegada, um ramo de flores oferecido com aquela naturalidade que os homens italianos deviam espalhar pelo mundo com a diligência dos exportadores ambiciosos. No barco, a atenção a todos os meus gestos e a prontidão com que me concretiza vontades, as expressas e as implícitas, ainda que infinitesimais... huumm... esta faceta cavalheiresca acelera o ritmo de alguma coisa girante dentro de mim que se vai manifestando em sorrisos cúmplices, no apetite crescente pela sua pele. Ele pede uma bebida refrescante, secundo-o. Segue a minha gesticulação labial própria de quem frui a frescura. Aproxima o rosto que olho com imenso agrado.

— Mi piacciono i tuoi occhi, le tue labbra.

Tomo-lhe a mão e faço bâton dos seus dedos, fitando-o. Ele abraça-me num sobressalto. Continuo a olhá-lo, meto o indicador e o médio da mão esquerda dele na minha boca, rodeando-os com os lábios. Sinto a outra mão do Marcello a procurar-me as mamas, e uma súbita, furiosa, insustentável vontade de foder traga-me os membros, o cérebro, o sexo. Mas onde, neste barco elegante em que nem uma escolta de golfinhos descompôs os viajantes? E ainda falta mais de uma hora até chegarmos ao ninho reservado pelo Marcello... Abranda-me a tortura a percepção de que estou a chegar a um dos lugares mais belos do mundo, a catedral marítima de Pablo Neruda, la molto esclusiva isola di Capri.


(continua)

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Voyage, voyage (4):
L’invitation

(parte 3)


Fosse eu de crença em assombrações, viveria aqui em susto permanente. Mas o silêncio nocturno de um château só me estimula a imaginação, forniciosa e não só. A sensação de paz chega a ser sepulcral e os inevitáveis ruídos dos meus movimentos parecem-me uma profanação. Pé ante pé, à pas de loup, estou já em frente ao frigorífico que abro com cuidados de assaltante. São três da manhã, um iogurte basta-me. Como-o pensando no dia seguinte e decido convidar o Marcello para um piquenique junto do lago. Volto para a cama, adormeço profundamente e acordo às 9 horas, muito tarde, portanto, para desfrutar os prazeres das manhãs estivais no campo.

Encontro o Marcello na sala de pequeno-almoço, convida-me para a sua mesa. Fá-lo irradiando alegria por todos os poros. Diz-me que por motivos de trabalho tem de regressar a Itália dali a três horas. Lamento e informo-o dos meus planos d’un déjeuner sur l’herbe. Diz que agora ainda lhe custa mais ir, privado do piquenique e da companhia. Faz-me reparar que andamos mesmo desencontrados; eu devolvo a chamada de atenção em modo optimista: os deuses concederam-nos o direito ao pequeno-almoço, agradeçamos-lhes por isso.

Antes de se despedir, corre ao jardim, colhe uma rosa de glandúlica corola e, num gesto teatral, oferece-ma:

— Una bella rosa per una bella donna!

Beijo-lhe a face, abraça-me com arrebatamento. Com surpresa, sinto-o sério.


Às 17 horas, recebo um telefonema. O Marcello convida-me para um piquenique... em Itália. No dia seguinte, pela manhã, espera-me no aeroporto de Nápoles.


(continua)

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Voyage, voyage (3):
Una giornata particolare

(parte 2)


Estava eu neste brando desassossego, quando, ao longe, ouço soar a tão bem conhecida música da língua italiana. Saltou-me a passarinha, retiniram campainhas interiores e exteriores, toda eu um ouvido só, grande, elefantino. Huumm, as vogais bem abertas e com curvas melódicas, o bater vigoroso das consoantes oclusivas, a efusão das chiantes... toda esta cadência expirada em máscula locução... Mamma mia!

Fui ver. Comunicava com o Charles num cómico inglitaliano. Ao ver-me, saudou-me como quem compromete todo o corpo no gesto: Buongiorno, signora! E o sol abriu-se no seu sorriso. Apresentámo-nos, era mais um amigo do Loïc, Marcello, di Roma. Convidou-nos — a mim e ao Charles — para o acompanharmos num passeio nel bosco. O Charles recusou gentlemanamente, eu aceitei, alegremente.

O italiano falava bastante, mas não me cansou os ouvidos sedentos da música da sua língua. Eu flutuava na onda da sua fala, movida pela visão dos gestos largos dos seus braços e pernas, pelas súbitas pausas dos seus olhos nos meus lábios. Falámos de livros, de cinema, de arquitectura, sua área profissional. Eu disse-lhe que para mim a palavra «Itália» era um passaporte instantâneo para a Viagem, ele perguntou-me o que conhecia do seu país.

O Marcello tinha combinado jantar na cidade, sugeriu que eu fosse. Não me apetecia ver muita gente, viera para repousar, declinei o convite com estas exactas razões.

Ao jantar, falei ao Loïc dos seus amigos, do inglês, para disfarçar o interesse no italiano. Talvez tenha percebido, porque passou mais de meia hora a falar do Marcello, a quem encomendara um projecto de restauro da ala nascente do château. Falou do seu extraordinário humor, agora beliscado pelos reveses de um delicado divórcio.

Deitei-me, peguei numa revista para adormecer, mas os gestos e as palavras daquele italiano não me abandonavam. Embrulhavam-se-me no corpo, amotinavam-se-me na cabeça.

Acordei com o Marcello ainda a boiar-me no hipótalamo, mas agora apenas a sorrir, a sorrir. Era de noite ainda, desci à copa para procurar alguma coisa para comer.


(continua)

sábado, 23 de agosto de 2014

Voyage, voyage (2):
Sexo zapatista

(parte 1)


Abro o livro Diana ou a caçadora solitária, em que Carlos Fuentes conta a sua efémera e tórrida paixão com a malograda actriz Jean Seberg.

Ela era tão voraz como eu desejoso de a satisfazer. Se o prazer masculino a que ela se referiu esta manhã era o simples, imediato, de me pôr em cima dela e vir-me,

Mau!...

nunca o fiz sem todos os preâmbulos, o foreplay, que a sabedoria sexual prescreve para satisfazer a mulher

A sabedoria... e o gosto, o prazer de fazer, senhor!

e levá-la até um ponto anterior ao culminar que conduza, com sorte, ao orgasmo partilhado, o coito emocionante, formado em partes iguais de carne e espírito: virmo-nos juntos, viajarmos até ao céu...

Simultâneo ou sequenciâneo, o que importa é que não seja nem demasiado cedo nem nunca mais.


[...] pedi-lhe um broche quando pressenti que ela queria mamar picha,

(A tradutora é de Lisboa, vê-se...)

que agarrá-la pela nuca e aproximá-la do meu pénis erguido, como se fosse uma escrava dócil, era o prazer que ambos desejávamos.

Nunca entendi esta fantasia masculina da felação como submissão; eu felo porque a minha boca gosta do sabor e de ficar cheia, porque os meus lábios ficam deliciosamente — e sensualmente — inchados, e também para ver o prazer do companheiro manifestar-se em palavras, interjeições, requebros brandos, gestos bruscos ou imobilidade absoluta.


Dei-lhe unguentos, reguei-a com champanhe uma noite, molhando-nos aos dois por entre gargalhadas;

Uauuu!

já falei do seu maravilhoso aroma vaginal de frutos maduros;

Aqui está um verdadeiro connaisseur!

passei-lhe a minha loção masculina nas axilas e entre as pernas; ela escondeu o seu próprio perfume atrás da minha orelha

Huuuuumm...


Lá se foi o repouso! Não sei em que ingenuidade súbita me deixei cair ao trazer um livro de um latino-americano para o château. Ainda para mais, este, que é mexicano e se atira ao sexo com ardor zapatista.


(continua)

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Voyage, voyage (1):
Les jours au château

Revisitei o château de um amigo, no vale encantado do Loire.

Depois de uma ociosa mise-à-jour banhada em excelente montlouis, o Loïc observou:

— Je ne crois pas que tu sois venue toute seule...

— Je suis venue pour lire, écrire et faire des photos de ce paradis.

Na manhã seguinte, acordei cedo como gosto e gasto. Enfiei-me num vestido ligeiro e num par de botas práticas, meti um livro, o moleskine e a câmara fotográfica no saco de passeio. Antes de sair, não resisti ao meu acessório de eleição, rouge absolu nos lábios.

O grande silêncio da manhãzinha quebra-se entre os meus pés e a gravilha, cresce a agitação dos pássaros assustados. É também grande a frescura da relva rociada e suave a brisa a bailar nas folhas. Inspiro profundamente, deixando-me penetrar pelos gozos matinais. Caminho ao acaso, seduzida pela ideia de ir, ir ao sabor do chamamento momentâneo de uma imagem, um fio de luz, o rumor de um animal... Perto da orangerie, uns passos. Avanço cedendo à mais pura curiosidade. De calças e botas de montar (uuuuuuuuh...), dobra a camisa no pulso esquerdo, depois no direito. Repara na minha aproximação, detém-se, cumprimenta-me, apresentamo-nos. O Charles é inglês, veio passar uns dias com o old friend Loïc.

Não sou devota nem da língua nem das línguas inglesas e este Charles deixou-me quase indiferente, por isso procuro poiso onde o corpo e o espírito possam conjugar-se sumamente, o que, a esta hora e neste lugar, é perfeitamente realizável no tragar de umas belas páginas enquanto o sol passeia as pontas dos seus dedos quentes pelas minhas pernas descobertas, moderadamente abertas.


(continua)

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

SMS: Short Message Sex (2)
Pensamentos, palavras, actos e emoções

Mensagem de Méssaline:

Sexta-feira, 07:10

Acordei com um incontrolável alvoroço no sexo. Fecho as pernas, deito-me de barriga para baixo, recordo-nos, sinto a tua piça dura dentro de mim e... o orgasmo acontece, mesmo sem tocar na cona.
E, já sabes, os orgasmos dão-me mais vontade de foder...
Mensagem d'Ele:

Sexta-feira, 07:16

Sensação sincronizada, pois acordei agora e apetece-me a mesmíssima coisa!  <3
Mensagem d'Ele:

Sexta-feira, 07:54

Méssaline, a beleza do teu rosto e o teu corpo dão-me prazer em quantidade e qualidade como nunca imaginei ser possível. A tua performance é um hino, uma sinfonia a este encontro de vontades dos corpos e dos espíritos, tão inesperado quanto intenso, tão vórtex quanto Evereste!
Amo-te e quero mostrar-to não só em pensamentos, mas também em palavras, actos e emoções. AMÉN! <3 <3
Mensagem de Méssaline:

Sexta-feira, 08:38

Vou levantar-me agora. Só penso em foder, foder muito, prolongar a maravilhosa sessão de ontem.
Quando ficares livre, diz-me.

domingo, 10 de agosto de 2014

Sonho

Méssaline sonha muito pouco com sexo. Talvez dando razão ao Sr. Freud que distribuía os sonhos pelas duas caixinhas das obsessões: a do que tememos e a do que desejamos muito. Ora, Méssaline não tem medo de sexo nem o deseja, porque o tem quando e com quem quer. Porém, desta vez, Méssaline passou as primeiras noites de férias com a cabeça tão invadida de fornício, que ao acordar nem se mexia, para não sair do sonho ou para o sonho não sair dela. Saberão os senhores Freuds por quê?

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Pode um desejo imenso

Méssaline sai para um passeio bem cedo. Conta desfrutar os prazeres que a manhã oferece antes do arruído dos veraneantes, banhar-se no mar sob os róseos dedos de Aurora, sentir a língua imensa da água fresca acariciá-la profusamente, penetrá-la com fluência explícita.

Mas mal põe os pés na rua, sofre o ataque de um batalhão de anelozinhos libidinosos, que lhe sobem pelas pernas. Faz uns trejeitos para os sacudir, já um pelotão de apetites carnais se apodera dos braços, imobilizando-os. Chega à praia, quase vencida, deita-se sobre a areia, muito quieta, na esperança de que desertem tais mavórcios assaltantes. Respira brandamente, sente o sossego das tréguas... quando, sobre o fundo do ventre, em cheio, lhe cai a violenta força especial do impiedoso exército do Desejo.

terça-feira, 5 de agosto de 2014

sábado, 2 de agosto de 2014

Entre sábanas

Circulam pela Internet listas de benefícios de dormir nu. Independentemente dos sites cuja validade científica Méssaline não certifica, eis a razão maior pela qual ela gosta do Verão: dormir nua, nuíssima, com ou sem as gotas de Chanel da malograda Marilyn Monroe.

Há-de a cama ser espaçosa, há-de a cobertura reduzir-se exclusivamente a lençóis, de corte simples ou bordados, brancos, alvos, macios, embora a textura do linho garanta os seus prazeres, talvez por remeter para pecados de sabor antigo.

Hão-de os lençóis cumprir-se como uma segunda pele, caídos sobre o corpo, adaptados ao arco da anca, ao cume das nádegas, a descer pelo vale dos rins, a repousar no desfiladeiro da cintura em decúbito lateral, a subir a colina de um seio, com o roçagar caricioso de uma brisa, da água morna ou da quentura amena do sol. E haverá festa para o corpo, logo, regozijo para almas de cariz e raiz sensual.

Hão-de, assim, antecipar-se e prolongar-se os deleites de um coito, suave ou ardente, pela sugestão de pele alheia concedida pela textura, a temperatura, o deslizar dos lençóis frescos sobre o corpo NU.