sábado, 26 de abril de 2014

Jantar em casa de amigos

Noite de jantar com amigos. Para além de mim, três casais: a Teresa, ex-colega da faculdade, e o Edgar, nossos anfitriões; a Heloísa e o António, casal que conheço superficialmente de jantares anteriores; e a Laura e o Paulo, desconhecidos até esta noite.

O Paulo é daquele tipo de homem bem-parecido que detectas enquanto tal ao sexto segundo, porque os primeiros cinco gastaste-os a determinar que ele é mau carácter: faz gala de deixar subentendido (mas sem margem para dúvidas) o quão superior se considera à mulher. Para ele o casamento foi um acto de caridade remível pela menorização da esposa. E com isto se julga muito macho.
Eis o Paulo em cinco segundos. Ou cinco anos.

O jantar decorre com aquela indefinida estranheza habitual nos encontros de grupos heterogéneos, com diferentes graus de afinidade, em que frequentemente não sabemos como tratar aqueles que, velhos amigos de velhos amigos nossos, (ainda) nada nos dizem. Estranheza tornada quase palpável pelos recorrentes comentários levemente depreciativos do Paulo sobre a Laura, em tom jocoso, para mostrar quem manda.

É noite de jackpot grande no Euromilhões, pelo que a conversa acaba por ir parar à fantasia clássica: que faria cada um de nós se ganhasse cento e tal milhões de euros? As respostas variam do sincero «Punha-me a andar deste país e até nunca!» ao miss-múndico «Fazia uma fundação para promover a paz no mundo» (risos). Até que o Paulo:
— Se eu ganhasse o Euromilhões, arranjava logo três amantes!

Silêncio. Instintivamente, olho para a Laura, sentada à minha frente: os seus olhos denotam a humilhação, mas é evidente que vai comer e calar. Da Teresa, que tolera o Paulo por ser casado com a grande amiga de infância, também não é de esperar reacção, em nome do desanuviamento. Os outros tentam disfarçar. (Passou um segundo desde a tirada do Paulo, se tanto.)

— Se eu fosse tua mulher (deusmelivre!) e me dissesses tal coisa, Paulo — começo eu, cortando o silêncio incómodo —, responder-te-ia: «Pois eu, para isso, nem precisei de ganhar o Euromilhões!»
Após um segundo de pausa dramática, volto à carga:
— E o mais engraçado, Paulo, é que seria verdade!

Novo silêncio incómodo: o Paulo mastiga o nada que tem na boca, o sorriso anteriormente sarcástico a amarelar-lhe nos cantos. E, do fundo dos olhos mortiços de mulher subjugada, desponta o agradecimento tímido da Laura.

2 comentários :

  1. Que fique bem claro que esse Paulo não sou eu (nem poderia ser), nem ele merece o nome lindo que lhe deram; mas, se, por acaso, fosse, baixava os olhos e as orelhas e ia tentar trocar a minha alma por outra mais decente.

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    1. Méssaline tem a certeza de que Paulo F não precisa de mudar de alma... nem de nome.
      Bisous.

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