segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Comer

Méssaline adora comer. Mas não come qualquer coisa. Só iguarias, pitéus, gourmet.

O problema é que é preciso provar o produto para saber se merece esta distinção. Se a degustação confirma a suspeita, a premonição, então Méssaline saboreia, detém-se, repete, para que o gosto exquis lhe permaneça no palato, lhe inunde o cérebro de rememorações que lhe provocam um delicioso frisson e um desejo de mais, mais...

E como é cozinheira dada à experimentação, imagina variações de sabores, aromas, temperos prévios, tempos de confecção em fogo vivo e em fogo brando. Na primeira oportunidade, mete mãos à obra, vai apurando, vai dando voltas ao acepipe até que este atinja o ponto exacto de deflagração de sabores, o desabrochar pleno das suas íntimas suculências. Então, festeja o feito com um longo huuuum. Serve-se, convoca todas as terminações nervosas do corpo à boca e entrega-se à função com requebros de sacerdotisa (sacerdotease?). Não quer perder um grama, uma gota do manjar, um segundo do ritual alucinante. Sente-se transportada até ao sétimo céu, para o jardim das delícias, topos sem ubicação nem temporalidade, onde a ausência de gravidade a faz flu-flu-tu-aaar em suavíssimas ondas mornas.

Se, pelo contrário, a degustação infirma a suspeita, Méssaline, simplesmente, deita o alimento no contentor do lixo não reciclável. E prefere a fome, o jejum, a meter no seu corpo qualquer coisa. Tem de ser alimento raffiné. Pedante? Snob? Esquisitices do caralho, talvez.

11 comentários :

  1. Respostas
    1. Astérix, meu amigo, nem imagina o quão premonitório — deliciosamente premonitório — é o seu aviso!
      Sexta-feira poderá confirmar... ;-)

      Bisou. :*

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  2. Respostas
    1. Cher Astérix, afinal o texto que tinha previsto para ontem teve de ser adiado... :/

      Bisou.

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  3. e como têm sido as tuas últimas "degustações"?.....
    "raffiné"? ... ou lixo?

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