segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Girl, interrupted

Os leitores mais atentos da Boîte terão reparado que algo se passa com o blog. O último texto foi publicado há mais de dois meses; daí para cá, uma dezena de posts apareceu sem nenhuma periodicidade discernível e, pior, são suspeitosamente repetitivos: com duas únicas excepções, resumem-se a “Sentenças de Méssaline”. É como se a Boîte à cochonneries estivesse a largar lastro.

A verdade é que, após ano e meio, a tusa que Méssaline sentia em escrever as cochonneries definhou; desagradava-lhe, em particular, uma espécie de obrigação de o fazer. Mas, especialmente, enfadava-a uma certa repetição.

Foder é um pouco como escrever e tocar uma peça musical (arrisca Méssaline, cujos talentos musicais são nulos...).
O compositor tem à sua disposição um conjunto vasto, mas não ilimitado, de acordes e joga com eles, compondo melodias sempre diferentes, a que correspondem sensações também diferentes. O músico (o executante) está ainda mais limitado, pois segue a pauta que lhe deram, podendo incutir alguma personalidade na performance, mas sem se afastar muito do que está definido. Apesar disso, compositor e músico — e o próprio público — podem revisitar uma e outra vez a mesma música (mas não sempre a mesma, excepto em casos patológicos...) e desfrutar dela com prazer sempre renovado: “Os Verdes Anos” ou “Symphony of Sorrowful Songs” são sempre arrepiantes, por mais que as ouçamos (e, imagino, também por mais que as toquemos).
De igual forma, se um par de amantes dispuser de um repertório fodístico diversificado (os acordes), se forem imaginativos, as melodias orgásmicas que produzem serão quase sempre emocionantes. Algumas repetições ocorrerão, claro, mas, dentro de certos limites, a repetição tem o poder de sedução dos clássicos ou contribui para a sensação de sintonia, como uma private joke partilhada entre amantes. Um judicioso equilíbrio entre novidade e conhecimento mútuo, previsibilidade, mantém os corpos afinados e as emoções no ponto.

(Um paralelismo alternativo seria o de um par de danças de salão a executar um género musical conhecido.)

O problema é que escrever sobre fodas (descrever fodas) não é o mesmo que foder. Assim, a analogia apropriada não é com um compositor ou sequer com um músico que executa uma partitura ou embarca numa jam session. A foda está para a música como o (d)escritor de fodas está para o crítico musical. E Rui Vieira Nery e Les Inrockuptibles que me perdoem, mas, por muito bons que sejam, a enésima recensão de uma série de concertos distintos é mais repetitiva e menos entusiasmante do que a ene-enésima audição do mesmo concerto em digressão mundial.

Para atalhar no que já vai longo: a Boîte não acabará, mas está, na prática, suspensa sine die.

Para reconfortar os mais desamparados pelo anúncio, uma novidade adicional: o interesse pela escrita de novos textos murchou bastante em mim, mas não o prazer do texto como complemento à foda elle même. E, chamem-lhe falta de modéstia, reconheço alguma qualidade e potencial em muito do material produzido, pelo que seria com pena que o veria votado ao cinzeiro digital. Assim, uma ideia que me tem entusiasmado desde o início do ano é a de adaptar (com muita reescrita) o conjunto dos meus textos a uma narrativa única. Ou, traduzindo para os leigos: escrever um livro. É no que tenho trabalhado ultimamente.

Mais informação em breve. :)

5 comentários :

  1. Se a autora me permite um aparte, creio que o que lhe falta para ficar é o que nos falta a todos: comentários, discussões, diálogo, debate. A "Boîte" é interessantíssima e teria tudo para se tornar ponto de encontro. Agora vai ficar vazia como a poltrona à esquerda.

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    1. Cher Marc,
      Obrigada pelo comentário.
      Não digo que uma profusão interactiva (chamemos-lhe assim) não ditasse o prolongamento do blogue, mas, a ocorrer tal coisa, seria à sobreposse.
      A verdade é que desde muito cedo senti o problema da repetição. Nunca pensei, por isso, que a Boîte durasse muito mais. Poderia durar um pouco mais, talvez, mas não muito mais.
      Bisou!

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  2. A palavra francesa que me vem à mente é "ressasser", e não consigo deixar de fazer a analogia entre aquele que faz literatura erótica e as 30 telas de Monet sobre a catedral de Rouen. Vivemos de variações sobre o mesmo tema, explorando-o de todos os ângulos possíveis e imagináveis, tentando obsessivamente encontrar O modo de expressar o prazer, e a Messaline tem razão ao inscrever a repetição no rol dos problemas, porque ela leva ao tédio e este é um problema. Só quero terminar propondo que a Boîte fique na web. Deixe-a tornar-se fóssil, não a exclua, porque é um rico patrimônio para todos nós.
    Bises,
    Marc

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    1. Obrigada pela classificação de «rico património», Marc.

      A minha intenção é, pelo menos para já, deixar a Boîte conforme está, com todo o material disponível: o blog foi suspenso, não foi extinto.
      Mas, se o livro que estou a escrever efectivamente vir a luz do dia, provavelmente nessa altura, em nome do interesse comercial :) , restringirei o conteúdo a alguns excertos estratégicos, de divulgação.
      A ver vamos...

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  3. nous serons par ici jusqu'à ton retour.... digital ou em papier....

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