sexta-feira, 10 de outubro de 2014

«Sexuellemente, c’est-à-dire, avec mon âme.»

Écrits pornographiques

Boris, mon maître!


Os teus Écrits pornographiques incitam-me a escrever-te. Não, não vou cracher sur ta tombe, embora esse meu eventual sacrilégio te pudesse agradar, creio, porque tu não és um morto com a pele igual à dos outros.

Tenho é coisas a dizer ao teu ouvido musical, coisas que só um jorrador de espumas dos dias é capaz de entender.

Primeiro: o que mais me excita em ti é o teu humor. Haverá escritos eróticos sem humor, haverá escritos pura e duramente pornográficos despidos d’esprit, mas não há visitante da minha mina escura, colaborador da exultação dos meus pontos G (sim, tenho mais do que um ponto, tenho um alfabeto inteiro...) que não tenha, preliminarmente, derramado pelo meu cérebro sementes de graça, de comicidade, que não tenha estimulado os meus neurónios com correntes jocosas, iconoclastas, que não tenha jogado brincos burlescos, irónicos, cómicos, no meu pavilhão auricular.

Segundo: permite-me que actualize a tua lista de inimigos do erotismo, acrescentando-lhe jornais de grandes tiragens, revistas cor-de-rosa ou cor-de-burro-quieto, espectadores de concursos abjectos, de telenovelas e reality-shows excrementícios, berradores dos campos de futebol, livros de auto-ajuda, sombras-de-grey e todo o escrito prêt-à-manger, isto é, mastigado por outrem, debitadores de paleio de engate, seguidistas da ortodoxia ideológica, moral, estética, conjugal, kama-sútrica, apóstolos da euforia perpétua, pastores das massas, funcionários das finanças, hirtos por engolirem tanto papel seco, manipuladores infatigáveis de iPhones, iPads e outras tabletes do ensimesmamento contemporâneo (se ao menos aplicassem o virtuosismo digital to jazz comme il faut...), arrastadores de tédio pelos centros comerciais, comedores de pipocas no cinema, praticantes da coscuvilhice de mesa de café, bocejadores da vida própria, governantes de valores cambaleantes e outros animais invertebrados, actores de revista à portuguesa e de stand-ups de chocalho, castos arrogantes, apóstatas da libertinagem, ociosos que nem se masturbam, desertores obstinados da melancolia contemplativa.

Terceiro: a tua conferência só se dirige a homens (e heterossexuais). Não concebeste auditório mais rico na variedade? Perdoo-te, porque me parece ser traço geracional. Pertences àquelas gerações de homens (ainda vivas, bem sei) que não vêem nas mulheres companheiras de feitos e de ditos, que dizem «as mulheres isto, as mulheres aquilo», como se as mulheres fossem uma classe homogénea, um rebanho obediente, sem ronhosas nem cabras. Para eles e para ti, éramos — e ainda somos — irremediavelmente o Outro, objecto do desejo, não sujeito dele. Não tens a culpa toda, mas lamento não te poder louvar uma posição que esperava do teu perfil revolucionário, a de fala e falo espetados na alvorada feminista. Tenho, por isso, de adendar o teu parágrafo sobre o que se pede à literatura erótica. Aqui vai:

«Penso que ela [a literatura erótica] deve ser antes de tudo uma preparação, uma incitação e uma iniciação para tod[a]s aquel[a]s que circunstâncias desfavoráveis, um meio social inadequado ou necessidades diversas privaram de [um primo de 18 primaveras ou de um professor bem-parecido; para todas aquelas cujos pais não tinham uma família amiga com um filho em idade de explosão hormonal, as que não participaram em festivais de Verão, desfolhadas, vindimas, as que não tiveram coragem para escapar à vigilância paternal e ir a bailes de domingo, matinés em discotecas e cinemas, as que não fizeram visitas de estudo, nem a universidade fora da terra, nem Erasmus, as pobres feias que não provaram o refinado entesoanço da corte prolongada até... aaaai... à vertigem, as que nunca leram um bom livro (todo o bom livro é erótico, quer na oferta sensual da minúcia descritiva, quer na brasa dos diálogos e actos amorosos), aquelas a quem não foi distribuída a sorte de um amante de imaginação poética e disposição balética no leito, as de corpo fechado pelo enxame de castradores].» «Para tod[a]s aquel[a]s enfim que, envelhecid[a]s antes da idade por uma instrução geral e obrigatória completamente absorvente, não tiveram tempo para se instruírem em particular nos deveres [da mulher] em relação ao seu corpo... e ao corpo dos outros».

Um destes dias, acompanho a tua marcha do pepino com uma do meu moranguinho, do meu pesseguinho. Não gostas da fruta com molho em «-inho»? Eu também não! Então, há-de ser da minha romã, do meu figo, do meu grelo.


Un bisou de mon âme, sexuelle comme la tienne.

Méssaline Salope

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